fev 2, 2010
rogeriosandim

A Politização da propriedade intelectual

Ano 1 – Edição 9 – Periodicidade semanal

Uma das questões mais sensíveis na arena da propriedade intelectual, nos últimos tempos, é o difícil equilíbrio que deve existir entre a proteção legal aos interesses comerciais dos titulares de bens intelectuais, e o interesse e bem estar da população. Esta tensão entre o interesse público e os interesses privados dos titulares de ativos de propriedade intelectual se acentuou desde a promulgação do Código Civil de 2002 e a consagração da função social da propriedade. O potencial conflito se revela mais acentuado em áreas sensíveis como:
(I) O acesso do povo a medicamentos, gerando acaloradas discussões sobre a conveniência e os perigos de um uso político do instituto da licença compulsória;
(II) A disponibilização de livros didáticos a estudantes, levando a propostas de eventual alteração da lei de direitos autorais;
(III) A proteção ambiental e as tecnologias de combate às mudanças climáticas, incentivando países em desenvolvimento a pleitearem acesso facilitado a tecnologias de países desenvolvidos.
Em alguns círculos governamentais há uma percepção de que a propriedade intelectual beneficia principalmente multinacionais ou empresas de grande porte, em detrimento das pequenas e médias empresas nacionais, que se vêm privadas de usar determinados avanços tecnológicos, exceto mediante pagamento de royalties, e em detrimento da população em geral que é obrigada a pagar preços elevados por produtos patenteados. Esta percepção tende naturalmente a criar um ambiente desfavorável ao reconhecimento de proteção patentária a certas invenções como, por exemplo, segundos usos de medicamentos existentes.
Por outro lado, é imperativo reconhecer-se que o sistema de propriedade intelectual representa um potente estímulo à inovação tecnológica e à criação intelectual, promovendo a disseminação dos avanços científicos e tecnológicos mediante a revelação requerida pelo depósito patentário, combatendo a concorrência desleal e contribuindo positivamente para a economia nacional assegurando um ambiente propício ao recebimento de investimentos e de tecnologia externos. Ao contrário, a ausência de uma legislação clara de proteção à propriedade intelectual e de um sistema seguro para fazer valer os direitos assegurados por essa legislação, desestimulam não só a criatividade interna como os investimentos estrangeiros.
A crescente importância econômica da propriedade intelectual, acoplada ao crescente comércio internacional, levaram ao uso dos bens imateriais como moeda de troca em possíveis retaliações cruzadas decorrentes de decisões no âmbito da Resolução de Controvérsias da OMC. Isto é, se um país membro da OMC descumprir uma decisão adotada pelo sistema de Resolução de Controvérsias, o país prejudicado pode pleitear uma compensação, geralmente a ser aplicada na mesma área econômica que gerou a controvérsia, mas não havendo essa possibilidade, a compensação pode ocorrer em outra área, inclusive em matéria de propriedade intelectual. Ainda não utilizada efetivamente pelo Brasil (que já a solicitou à OMC em razão da disputa contra os subsídios outorgados pelos Estados Unidos aos produtores de algodão), essa possibilidade de retaliação cruzada, mediante suspensão da proteção aos bens de propriedade intelectual de titulares do país a ser punido ou dos royalties devidos aos mesmos, tem sido objeto de muita especulação e críticas, por prejudicar setores e atores totalmente alheios à disputa.
Outro sintoma da politização das questões ligadas à propriedade intelectual é a proposta à OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual, liderada pelo Brasil e pela Argentina, e com a participação de aproximadamente vinte outros países em desenvolvimento, de uma Agenda para o Desenvolvimento.
O propósito dessa Agenda – entre outros – é o de exigir que a OMPI adote medidas apropriadas para estimular a transferência de tecnologia de países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Entre outras, a Agenda para o Desenvolvimento inclui recomendações para que a OMPI:
Desenvolva, adote e promova princípios sobre desenvolvimento, diretrizes e boas práticas sobre transferência de tecnologia que, dentre outros:
(I) torne possível uma cooperação tecnológica dinâmica entre países desenvolvidos e em desenvolvimento;
(II) torne possível que países em desenvolvimento tenham acesso a tecnologias de países desenvolvidos; (…)
Formule recomendações sobre políticas e medidas que países industrializados possam adotar para a promoção de transferência e disseminação de tecnologia para países em desenvolvimento.
É clara, portanto, a preocupação dos países em desenvolvimento, e do Brasil em particular, em estimular a importação de tecnologias dos países desenvolvidos. Este, porém, é o discurso externo da política nacional.
Internamente, a situação é bastante diversa. A empresa brasileira que queira importar tecnologia do exterior depara-se com (a) um processo burocrático que pode vir a interferir na própria negociação do contrato de licença ou de fornecimento de tecnologia e (b) uma carga tributária pesada e complexa.
É uma contradição resultante da evolução histórica do processo de aquisição de tecnologia estrangeira pelas empresas brasileiras.

Fonte: Juliana L. B. Viegas, www.conjur.com.br, Consutor Jurídico.

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