O primeiro grande evento promovido pelo projeto Pecuária do Futuro marcou o início de um processo de inovações em pastagens. Oito protótipos para solucionar problemas levantados durante o 1º Encontro de Inovações em Pastagens foram entregues à equipe organizadora no final dos trabalhos, em outubro de 2017. O material foi sistematizado em um relatório de oportunidades, compartilhado com alguns parceiros, e será transformado em uma Série Embrapa para divulgação dos resultados.
O relatório levanta questões como “o que sabemos” sobre o problema levantado e “o que nos impede” de solucioná-lo. Com os gargalos mapeados, o grupo sugeriu oportunidades técnicas e não técnicas para tentar resolvê-los, desenhadas em protótipos. Além disso, cada uma das oito mesas priorizou o problema e as soluções, estabelecendo focos e evitando dispersão. Os subtemas discutidos foram risco agropecuário, nutrição mineral e fertilidade do solo, sistemas de produção, nutrição animal, fazenda inteligente e forrageiras.
Também no relatório, a equipe organizadora buscou agregar informações sobre tecnologias, produtos e serviços já disponíveis, otimizando a busca por soluções. “Nota-se, porém, que tanto nos pontos críticos quanto nas oportunidades não técnicas apontadas pelos grupos, surgiram propostas de soluções que extrapolam o desenvolvimento desta ou daquela tecnologia. Questões que envolvem, muitas vezes, problemas estruturais mais profundos, que não dependem exclusivamente de uma instituição, de uma empresa ou de um governo”, aponta o documento.
O texto destaca ainda a riqueza da troca de ideias com atores de diferentes elos da cadeia produtiva e sugere que “a partir das tantas ideias aqui apresentadas, os mesmos atores possam enxergar novas oportunidades de ação para a contínua melhoria nos sistemas de produção e na qualidade dos produtos, com foco na sustentabilidade”.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada para esse levantamento de propostas inovadoras foi a Design Thinking. Trata-se da construção conjunta de soluções para problemas complexos, a partir de discussões temáticas em pequenos grupos, com forte exercício de priorização e estímulo à criatividade.
A abordagem permite organizar ideias e informações para oferecer suporte ao processo decisório. O conhecimento compartilhado nas mesas enriquece a experiência de cada membro. As discussões são monitoradas por relatores, que controlam o tempo e garantem uma dinâmica produtiva, sem divagações. Todo o conteúdo é sistematizado e retorna a todos os atores.
PALESTRAS
Além dessa etapa de construção conjunta, o encontro proporcionou aos cerca de cem participantes seis palestras sobre temas de interesse para a cadeia da carne. Veja abaixo um resumo de cada uma delas:
O futuro já começou para as plantas forrageiras?
O pesquisador Francisco Dübbern de Souza, da Embrapa Pecuária Sudeste, lembrou que ao longo do tempo as forrageiras foram incorporadas a diversos outros usos além da produção de leite e carne: ornamentação, palhada para plantio direto, cobertura de margens de rodovia, embalagens, artesanato e outros. Ele apresentou desafios como a necessidade de aumentar o número de cultivares de pastagens adaptadas às diferentes condições ambientais e de manejo; a marcante estacionalidade da produção de forragens; a baixa qualidade nutricional das plantas forrageiras tropicais; o predomínio de pastagens formadas com espécies exóticas; os impactos potenciais das mudanças climáticas, entre outros. Em seguida falou sobre avanços que a pesquisa pode proporcionar em um futuro que está chegando. Alguns deles: sementes com sensores ambientais genéticos indicativos do momento ideal para a germinação; cultivares de gramíneas com propriedade medicinais; associações mutualísticas entre plantas e microorganismos para aumento da digestibilidade das gramíneas; aumento da eficiência na absorção e/ou na utilização de água pelas plantas. Para a construção do futuro da pecuária, Francisco indicou como determinantes os bancos de germoplasma e o uso de espécies nativas em pastagens cultivadas. “Por que não?”, concluiu.
Gestão de riscos na pecuária
O ex-ministro da Agricultura (2007-2008) Luis Carlos Guedes Pinto decidiu improvisar uma palestra no evento ao perceber que precisava passar alguns recados aos participantes. De acordo com ele, o maior risco para o pecuarista é o frigorífico e o maior risco para o frigorífico é o pecuarista. Essa relação “de muita desconfiança, conflituosa e até selvagem” precisa ser resolvida. A solução, segundo ele, é estabelecer um padrão de contrato que assegure segurança mínima e previsibilidade para as partes. Guedes também vê necessidade de um processo de formatação de preços para a agricultura e formulação de políticas adequadas. Lamentou que o país ainda não tenha superado problemas sérios, como a febre aftosa e a brucelose, doenças que já desapareceram de outras partes do mundo. Também sugeriu a implementação efetiva de um programa de rastreabilidade no Brasil. O ex-ministro disse ainda que o país gera tecnologias para o setor, mas elas não chegam ao produtor e indicou que o crédito é um forte indutor para a implantação dessas tecnologias. “Só o uso de tecnologia reduz o risco”, afirmou.
Sustentabilidade
Luis Fernando Guedes Pinto, da Imaflora, apresentou o conceito clássico de sustentabilidade, mesmo admitindo que se trata de uma definição difícil. “Os atores criam definições de acordo com seus interesses. Sustentabilidade é um processo, a gente nunca chega lá”, explicou. Segundo ele, ainda é um conceito muito filosófico, que evolui com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Luis Fernando afirmou que é preciso entender os interesses dos outros, aceitando ou não. A certificação é a forma de materializar a sustentabilidade, mas os selos de certificação só terão valor se houver acordo entre os segmentos envolvidos. O palestrante apontou também que os processos de certificação geralmente são excludentes e geralmente atingem os grandes produtores. A Imaflora apresentou um modelo de certificação coletiva, que conseguiu incluir pequenos e médios no processo. Outra informação interessante apresentada por ele é que a maior vantagem econômica da certificação está dentro da fazenda, e não fora, como se imaginava.
Tendências econômicas e o futuro da pecuária
O palestrante Alexandre Mendonça de Barros, da MB Agro, começou apresentando um estudo de 150 anos de dados e preços de produtos agrícolas e constatou que, entre todos os alimentos pesquisados no período, apenas a carne vermelha subiu de preço. “Tivemos um grande salto de produtividade na agricultura, mas a pecuária ainda tem problemas sérios, como fêmeas que produzem um bezerro por ano, as variações nos preços dos grãos, e outros”, afirmou. O tripé que explicava o sucesso das atividades agropecuárias no século passado (mecanização, genética e nutrição de plantas) já não responde à realidade atual, já que surgiu algo novo: as tecnologias da informação. Alexandre apresentou dados mundiais de produção e exportação de carne, situando o Brasil nesse contexto. E deixou dúvidas: “O Brasil tem 220 milhões de cabeças e o abate caiu 6 milhões. Como um rebanho cresce e o abate cai com a alta na produtividade que temos observado?” Segundo ele, os recentes escândalos de corrupção vão obrigar o país a reabrir mercados. “Mas há demanda para crescer, e possivelmente rápida”, apontou, ao lembrar que a crise derrubou o consumo interno de carne de 36 quilos/habitante para 26 quilos/habitante em quatro anos. Outra questão relevante colocada por ele foi sobre a cria. “Para onde vai? Vai ser no Pantanal? Em áreas marginais? A intensificação em cria é um problema. Um grande enigma, ainda sem resposta.”
A nanotecnologia e os novos fertilizantes
Cauê Ribeiro de Oliveira, da Embrapa Instrumentação (São Carlos-SP), começou informando os dez anos de atuação da Rede Agronano, que tem permitido avanços significativos da pesquisa nessa área. Ele apresentou conceitos ligados ao aumento da eficiência de um insumo: liberação comum, liberação lenta e liberação controlada. “Hoje é possível obter vários tempos de liberação com uma única aplicação dos fertilizantes”, explicou. De acordo com o pesquisador, é possível aumentar a eficiência diminuindo ou controlando a solubilidade de uma partícula muito solúvel (por meio de sistemas de liberação lenta ou controlada e de filmes finos de proteção) ou aumentando a solubilidade de uma partícula insolúvel (nanopartículas de óxidos, sais e outros). Ele apresentou informações técnicas sobre nanocompósitos fertilizantes e sobre estruturas reticuladas (hidrogéis).
As transformações no sistema de informação à sociedade e as estratégias em comunicação
Jorge Duarte, jornalista da Secretaria de Comunicação da Embrapa (Brasília-DF), mostrou a importância da comunicação estratégica nas organizações na primeira parte de sua palestra. Utilizando conceitos contemporâneos da comunicação, explicou que comunicar é diferente de informar e que a comunicação só se concretiza na recepção. “O receptor é o dono da comunicação. Ele a define”, disse. Pontuou também que a comunicação é meio, e não um fim – e tem um começo, mas não tem fim, “é um processo contínuo”. Como recomendações aos representantes de organizações presentes, Duarte sugeriu que se busquem soluções, e não ferramentas. “Profissionalize!”. Em um segundo momento, o comunicador apresentou um levantamento feito com oito jornalistas que atuam no agro e se manifestaram a respeito da imagem da pecuária. O público pode acompanhar, por meio de frases desses jornalistas, como eles percebem que a sociedade enxerga a atividade, os erros e os desafios para o setor.