Stakeholders viram protagonistas e impulsionam uso de tecnologias inovadoras

Foto: Gisele Rosso
Maria Fernanda é pecuarista em Brotas e participa do projeto. Foto: Gisele Rosso

O engajamento de stakeholders é marca registrada do projeto Pecuária do Futuro antes mesmo de sua formalização. A proposta foi concebida levando em conta vozes de diferentes públicos, suas percepções e necessidades. A partir desses relacionamentos, ideias arrojadas têm sido acopladas ao projeto, com potencial para impulsionar inovações na cadeia da carne.

Muitas dessas ideias criativas não dependem exclusivamente da Embrapa. Porém, a empresa pode atuar no fomento dessas inovações por meio de articulações que preservem o equilíbrio entre os interesses da cadeia. Conhecimento técnico produzido pela Embrapa é utilizado na modelagem de ferramentas que viabilizem as demandas.

Um exemplo recente é a proposta da pecuarista Maria Fernanda Guerreiro, parceira da Embrapa Pecuária Sudeste, que vem participando ativamente do Pecuária do Futuro e tem fomentado o uso de novos conceitos na cadeia da pecuária. Com propriedade em Brotas (SP), ela defende que os pecuaristas só serão reconhecidos por um produto diferenciado a partir da articulação e organização da cadeia da carne. Para isso, está sugerindo o uso de tecnologias que garantam transparência e segurança em transações na rede, como a blockchain.

Acompanhe a entrevista:

Informativo Pecuária do Futuro: De onde surgiu a ideia de buscar o conceito de blockchain para uso na cadeia pecuária?
Maria Fernanda Guerreiro: A princípio veio da vontade de solucionar as dificuldades de comercialização do meu gado particular, pois eu tinha um gado de qualidade e chegava na hora de vender eu me deparava com o mercado comum, no sentido de o comprador não valorizar o produto. Ficava totalmente dependente das ofertas e das demandas do mercado.
Com essa vontade e os contatos com outros produtores, através de consultorias e outros, fui percebendo que eles enfrentavam o mesmo problema: valorização de qualidade e mercado. Comecei então a “semear” minha ideia de um mercado justo e bom para solucionar nossos problemas e, pela reação, percebi que a opinião e o interesse de outros produtores poderiam ser uma ideia boa e “confortável” para o produtor.
Diante desses contatos comecei a imaginar algum tipo de parceria entre produtor, consultor e frigorífico. No Encontro de Inovação em Pastagens, realizado ano passado pela Embrapa Pecuária Sudeste, a dinâmica se baseava em criar soluções para alguns desafios propostos e em meu grupo eu lancei a ideia e ela foi votada por outros membros como uma ideia “boa” para resolver o desfio proposto. A partir daí, pude perceber que a solução não era inacessível, bastava procurar pessoas engajadas para que dessem início a esse projeto.

Informativo Pecuária do Futuro: Quais os principais desafios para o uso dessa tecnologia?
Maria Fernanda: O desafio, pessoalmente, acho que é conhecer todas as possibilidades que essa nova tecnologia oferece e “encaixá-la” na construção da cadeia.

Informativo Pecuária do Futuro: Como viabilizar o mapeamento da cadeia e a implantação desse conceito, que envolve transparência e segurança em transações na rede?
Maria Fernanda: A resposta eu não sei, mais imagino que a cadeia pecuária já esteja mapeada, tem trabalhos que já nomearam os “elos”. O que eu não encontrei, e para mim seria o maior desafio, seria entender em cada elo as dificuldades e, na visão de cada um deles, o que sugerem de mudanças para melhorar. Depois, essas sugestões passariam por uma análise criteriosa no sentido de entender se há ou não razão e quais as possíveis mudanças.
Imagino que, criadas as regras e o protocolo das relações que ligam os elos, eles serão todos acessíveis e acessados por qual quer elo da cadeia. Por exemplo: o produtor de cria se comprometeu em tal época a entregar uma desmama com tal peso e tal número de cabeças. Esse produtor teve orientação técnica para conseguir chegar a esse objetivo. O produtor que faz a recria e engorda também já esta aguardando esses animais com toda a programação, ganho médio diário, insumos em tal data, até entregar para o frigorífico que vai programar e diferenciar essa carne com algum tipo de selo ou apelo para o consumidor. Todas as relações, desde a orientação técnica até o local onde o consumidor final compra essa carne, estarão registradas com a tecnologia blockchain. Se porventura o produtor que assumiu vender a cria não entrega, “dá o cano”, ele estará “sujo” na cadeia. Da mesma forma, se o frigorífico combina um preço e paga outro, estará registrado nessa cadeia. Penso em algo nesse sentido.

Informativo Pecuária do Futuro: Quais os ganhos previstos com essa inovação?
Maria Fernanda: Para o pecuarista, garantia de venda, valor justo e segurança econômica; para o frigorífico, garantia de produto e ganho de mercado; o consultor teria garantia de serviços prestados; o vendedor de insumos teria garantia de vendas. Para o consumidor final haveria a garantia de que estaria consumindo algo que é justo e sustentável.

Informativo Pecuária do Futuro: Os primeiros passos já foram dados? Por onde começar?
Maria Fernanda: Acho que sim, pois parece ser demanda da pesquisa também criar ou adaptar a tecnologia para a pecuária. O começo para mim seria, em uma “visão mais macro”, reunir os elos da cadeia e entender quais os principais desafios e soluções, segundo a própria cadeia.
Depois, o desafio seria identificar “atores”, numa “visão mais micro”, para um projeto piloto e entender, a partir da visão de cada elo, quais desafios e soluções propostos, com regras e protocolos estabelecidos que regem uma relação mais saudável e sustentável para todos.
Eu não acredito que irá ser fácil, por isso acredito em perfis de atores diferenciados para dar início à formação. Esse perfil tem que vir com um novo conceito e concepção de mercado e de vida, que traga como ideal uma visão mais macro do mundo, inteligente, buscando a qualidade, e moderna, entendendo que a cadeia é um processo no qual um influencia diretamente no outro. É preciso enxergar como um sistema.

O QUE É BLOCKCHAIN?
Blockchain é uma tecnologia de livro-razão distribuída (DLT) para uma nova geração de aplicativos transacionais. Ela aperfeiçoa os processos de negócios estabelecendo novos níveis de confiança, de prestação de contas e de transparência, enquanto também simplifica esses processos. A rede de blockchain foi primeiramente apresentada ao mercado para trocas de bitcoins, mas seus usos práticos se estendem muito além das transações de criptomoedas.
O Blockchain reduz o custo e a complexidade de transações entre empresas por meio da criação de redes eficientes e altamente seguras na qual praticamente qualquer coisa de valor pode ser controlada e negociada, sem a dependência de um ponto de controle centralizado. No mundo das finanças, as redes de blockchain podem permitir que comércios de valores mobiliários sejam liquidados em minutos em vez de dias. No mundo do comércio, essas redes podem facilitar o gerenciamento da cadeia de suprimentos e permitir que o fluxo de mercadorias e pagamentos seja rastreado e registrado em tempo real. (Extraído de nota técnica da Embrapa)